Na década de 40, quando o movimento negro era uma ilha, o dramaturgo Nelson Rodrigues cravava nas gazetas: Abdias do Nascimento é "o único negro do Brasil". E não houve quem o desmentisse. A "flor de obsessão" admirava no ator e ativista negro a "irredutível consciência racial", a coragem de esfregar a "cor na cara de todo o mundo".
Abdias, 95 anos, segue atento às novas gerações do movimento negro. Vibrou com a vitória do presidente Barack Obama, nos Estados Unidos. E hoje, a partir da leitura dos jornais, se "orgulha" da atuação do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF).
- Estou orgulhoso de ter um juiz à altura da situação em que se encontram todos os milhões e milhões afrodescendentes - declara.
Primeiro negro na suprema corte brasileira, Barbosa fez ontem acusações públicas ao presidente do STF, Gilmar Mendes. "Vossa excelência não está na rua, não. Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro", atacou. Mendes pediu "respeito". Barbosa ainda prosseguiu: "Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. O senhor respeite."
Com esse revide, a briga tomou uma feição racial. Abdias não foge à pergunta:
- Acho que houve, sim, um viés racista naquela maneira que o presidente do Supremo respondeu a ele, logo no começo da discussão.
Para o fundador do Teatro Experimental do Negro, em 1944, a presença de Joaquim Barbosa no STF causa desconforto aos colegas. Ex-deputado federal e ex-senador, Abdias conta que foi "esmagado" no Congresso. "Sempre quando ele (o negro) ergue a voz, já é um crime", afirma. "Há um racismo na Justiça brasileira."
Terra Magazine - A atuação do ministro Joaquim Barbosa no STF fortalece o movimento negro? O senhor viu o embate com o ministro Gilmar Mendes?
Abdias do Nascimento - Vi hoje nos jornais. Bom, eu acho que ele respondeu à altura, de acordo com a postura dele, a dignidade de juiz. Ele respondeu à altura. Achei que foi muito digna a postura. E ele correspondeu ao que esperávamos dele numa situação daquela.
TM - Quando os ministros reagem a uma postura como a de Joaquim Barbosa, há um viés racialista? Eles se sentem incomodados com um negro?
AN - Eu acho que sim.
TM - Por ele ser o primeiro negro no Supremo?
AN - Acho que houve, sim, um viés racista naquela maneira que o presidente do Supremo respondeu a ele, logo no começo da discussão.
TM - É uma irritação prévia?
AN - Aliás, o jornal dá uma história anterior de incidentes e dá a enteder que já havia uma predisposição.
TM - Como o senhor vê a presença dos negros na Justiça brasileira? Ainda é incipiente?
AN - É muito incipiente. E a Justiça é racista mesmo. Estou de acordo: há um racismo na Justiça brasileira. Acho que os negros são olhados como se ainda fossem escravos.
TM - Quando Joaquim Barbosa ergue a voz, é como se já estivesse errado?
AN - É claro que sempre quando ele ergue a voz, já é um crime. Já é um crime. Porque o negro já nasce criminoso aqui no Brasil.
TM - A vitória de Barack Obama foi importante para fortalecer a presença dos negros em nossas instituições?
AN - Sim. Eu avalio que a vitória dele teve uma importância e uma influência em toda a população negra no mundo. Porque mostra que os negros podem comandar a primeira nação do mundo. Isso é um crédito formidável para os Estados Unidos.
TM - O senhor tem essa luta desde a década de 30. Como avalia, com essa trajetória, o crescimento do poder político do negro?
AN - Claro que fico muito emocionado com essa campanha que acompanho aqui nos meios de informação. Acompanhei a luta dele (Obama), sofri com o que ele deve ter sofrido nessa campanha. Não foi uma coisa fácil. E o desassombro de ver um negro liderar no mundo. No Brasil, que tem essa fama toda de democrático, me lembro como fui esmagado quando fui senador. E, afinal de contas, senador não é nada, não tem poder nenhum. Imagina lá nos Estados Unidos, um chefe do Executivo... TM - No teatro, o senhor também foi pioneiro na questão racial. Praticamente, só Nelson Rodrigues lhe era solidário.
AN - Foi. Nelson Rodrigues era formidável. Ele não se atrapalhou com a encenação que a sociedade brasileira faz sobre o racismo. Fazem um teatro.
TM - Tem gostado, então, do ministro Joaquim Barbosa?
AN - Gostei muito. Estou orgulhoso de ter um juiz à altura da situação em que se encontram todos os milhões e milhões afrodescendentes.
Por Claudio Leal para Terra Magazine
Abdias, 95 anos, segue atento às novas gerações do movimento negro. Vibrou com a vitória do presidente Barack Obama, nos Estados Unidos. E hoje, a partir da leitura dos jornais, se "orgulha" da atuação do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF).
- Estou orgulhoso de ter um juiz à altura da situação em que se encontram todos os milhões e milhões afrodescendentes - declara.
Primeiro negro na suprema corte brasileira, Barbosa fez ontem acusações públicas ao presidente do STF, Gilmar Mendes. "Vossa excelência não está na rua, não. Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro", atacou. Mendes pediu "respeito". Barbosa ainda prosseguiu: "Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. O senhor respeite."
Com esse revide, a briga tomou uma feição racial. Abdias não foge à pergunta:
- Acho que houve, sim, um viés racista naquela maneira que o presidente do Supremo respondeu a ele, logo no começo da discussão.
Para o fundador do Teatro Experimental do Negro, em 1944, a presença de Joaquim Barbosa no STF causa desconforto aos colegas. Ex-deputado federal e ex-senador, Abdias conta que foi "esmagado" no Congresso. "Sempre quando ele (o negro) ergue a voz, já é um crime", afirma. "Há um racismo na Justiça brasileira."
Terra Magazine - A atuação do ministro Joaquim Barbosa no STF fortalece o movimento negro? O senhor viu o embate com o ministro Gilmar Mendes?
Abdias do Nascimento - Vi hoje nos jornais. Bom, eu acho que ele respondeu à altura, de acordo com a postura dele, a dignidade de juiz. Ele respondeu à altura. Achei que foi muito digna a postura. E ele correspondeu ao que esperávamos dele numa situação daquela.
TM - Quando os ministros reagem a uma postura como a de Joaquim Barbosa, há um viés racialista? Eles se sentem incomodados com um negro?
AN - Eu acho que sim.
TM - Por ele ser o primeiro negro no Supremo?
AN - Acho que houve, sim, um viés racista naquela maneira que o presidente do Supremo respondeu a ele, logo no começo da discussão.
TM - É uma irritação prévia?
AN - Aliás, o jornal dá uma história anterior de incidentes e dá a enteder que já havia uma predisposição.
TM - Como o senhor vê a presença dos negros na Justiça brasileira? Ainda é incipiente?
AN - É muito incipiente. E a Justiça é racista mesmo. Estou de acordo: há um racismo na Justiça brasileira. Acho que os negros são olhados como se ainda fossem escravos.
TM - Quando Joaquim Barbosa ergue a voz, é como se já estivesse errado?
AN - É claro que sempre quando ele ergue a voz, já é um crime. Já é um crime. Porque o negro já nasce criminoso aqui no Brasil.
TM - A vitória de Barack Obama foi importante para fortalecer a presença dos negros em nossas instituições?
AN - Sim. Eu avalio que a vitória dele teve uma importância e uma influência em toda a população negra no mundo. Porque mostra que os negros podem comandar a primeira nação do mundo. Isso é um crédito formidável para os Estados Unidos.
TM - O senhor tem essa luta desde a década de 30. Como avalia, com essa trajetória, o crescimento do poder político do negro?
AN - Claro que fico muito emocionado com essa campanha que acompanho aqui nos meios de informação. Acompanhei a luta dele (Obama), sofri com o que ele deve ter sofrido nessa campanha. Não foi uma coisa fácil. E o desassombro de ver um negro liderar no mundo. No Brasil, que tem essa fama toda de democrático, me lembro como fui esmagado quando fui senador. E, afinal de contas, senador não é nada, não tem poder nenhum. Imagina lá nos Estados Unidos, um chefe do Executivo... TM - No teatro, o senhor também foi pioneiro na questão racial. Praticamente, só Nelson Rodrigues lhe era solidário.
AN - Foi. Nelson Rodrigues era formidável. Ele não se atrapalhou com a encenação que a sociedade brasileira faz sobre o racismo. Fazem um teatro.
TM - Tem gostado, então, do ministro Joaquim Barbosa?
AN - Gostei muito. Estou orgulhoso de ter um juiz à altura da situação em que se encontram todos os milhões e milhões afrodescendentes.
Por Claudio Leal para Terra Magazine
3 comentários:
Oi, Jéssica.
Tudo que se fala contra alguém que seja negro é racismo?????????
Todos os outros ministros do STF são racistas???????
Completando: NÃO, NÃO HÁ RACISMO CONTRA JOAQUIM BARBOSA.
Ele é inteligentíssimo, honestíssimo, é um exemplo! Sou fã dele. E não é isso tudo - nem chegou onde chegou - por ser negro.
Também não pode estar acima do bem e do mal por ser negro.
Todo mundo pode pecar pelo excesso, inclusive ele.
E ele errou. Foi isso.
Beijo.
Na verdade eu não acho que td contra alguem q seja negro seja racismo.
Nem q todos os ministros sejam racistas. Mas descordo do fato deles se posicionarem a favor do Gilmar Mendes.
Publiquei a entrevista no Blog pq gosto do jeito que o Abdias Nascimento defende o Joaquim, mas não necessariamente concordo com tudo o que ele disse, mas concordo que ter sido enquadrado por um juiz negro foi algo impactante.
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