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1 de jun. de 2009

Graças à política de inclusão nas universidades, filhos de analfabetos viram ‘doutores’


POR FLÁVIA SALME, RIO DE JANEIRO
Rio - Negra, mulher, criada por mãe semianalfabeta e tia analfabeta, Cláudia Pinheiro, 39 anos, jamais pensou em fazer faculdade. Há cinco anos, porém, a reserva de vagas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), garantida pela Lei 5.346, de 2008, mudou a certeza que carregou por toda a vida. Hoje, é pedagoga, dá aulas na universidade e acaba de ser aprovada na especialização da Faculdade de Direito, desta vez, sem cotas. Alvo de críticas, a reserva de vagas, que permitiu a mudança no destino de Cláudia, será reavaliada amanhã pelo colegiado do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio.
Há uma semana, liminar pedida pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP) suspendeu o sistema de cotas. O advogado Eduardo Gomes, 24 anos, se formou na Uerj há um ano. Entrou na universidade pela reserva de vagas para negros e concluiu o curso com Coeficiente de Rendimento Médio de 8,8. Fala inglês e francês, aprendidos na Uerj, e passou, na primeira tentativa, na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Com o registro profissional nas mãos, se prepara para concluir o estágio na Procuradoria do Rio e tentará ingressar na Defensoria Pública de Alagoas, atrás de salário de R$ 14 mil. “Moro na Baixada, sou filho de motorista e mãe cabeleireira. Na minha família ninguém tem diploma, sou o primeiro. As cotas foram uma oportunidade e eu provei meu potencial”, orgulha-se.

Um ano após se formar, a dentista Aline Souza, 24 anos, passou em concurso público do Estado do Rio e hoje recebe R$ 2.200 de salário por plantões de 24 horas uma vez por semana. Cursa especialização em implantodontia e pretende, nos próximos anos, abrir seu próprio consultório. “Morava em Irajá e sempre estudei em escola pública. Pensava que não entraria na faculdade porque não tinha dinheiro para cursos de pré-vestibular. Consegui vaga em um cursinho comunitário quando saiu a lei das cotas. Entrei na universidade pelo sistema. Hoje, tenho um bom emprego, moro na Zona Sul e não dependo mais de ações afirmativas. Fui a única negra aprovada no concurso e pretendo melhorar cada vez mais o meu potencial”, planeja.

Já a professora Cláudia, contratada pela Uerj pelo regime dan CLT, recebe hoje cerca de R$ 1 mil por mês. A cifra é o dobro do que costumava ganhar antes do diploma. Diante da possibilidade de suspensão da reserva de vagas, ela lamenta que o desempenho dos cotistas não seja uma referência para a decisão. “Quando entrei (na faculdade) bateu um frio na barriga, eu falava e escrevia errado. Mas recebi apoio, estudei, hoje sou professora. Foi uma conquista”, ressalta.
A polêmica decisão que suspendeu a reserva de vagas na Uerj, no Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo) e na Universidade do Norte Fluminense (Uenf) pode pôr em risco a vida de 70 mil estudantes inscritos no vestibular de 2010, cuja primeira prova está prevista para o dia 21 de junho.
A Procuradoria-Geral do estado apresentou recurso e tenta convencer os desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio a, pelo menos, só aplicar a suspensão no ano que vem caso concluam que o sistema de inclusão é inconstitucional. Se sair derrotado, o governo do estado promete não desistir e apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

APELO POR DECISÃO DEFINITIVA DO STF
Convencido de que o sistema de cotas é uma das ferramentas para reduzir as desigualdades sociais, o reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves de Castro, cobrou do Supremo decisão sobre a polêmica, para acabar com a instabilidade jurídica sobre o tema.
Levantamento do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Uerj mostra que Rio de Janeiro, Bahia, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são recordistas em ações na Justiça contestando a reserva de vagas. Em Santa Catarina, decisão contrária à política já foi anunciada, mas revogada em seguida.

Mais de 70% das vagas para cotistas ociosas
Em 2009, apenas 1.388 estudantes entraram pela reserva de vagas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O número corresponde a 28% do total de cotas e acirra o debate em torno do sistema. Para o advogado Renato Ferreira, pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj (LPP), o problema é consequência da implantação da segunda nota de corte no exame de ingresso, ocorrida há dois anos. A decisão elevou a nota mínima para a entrada na instituição, o que atingiu diretamente os alunos das escolas públicas. “Também falta incentivo para que esses estudantes se valham da reserva de vagas. Muitos nem sabem como ter acesso ao sistema e o estado não se preocupa em divulgar a política”, afirma.

Médias superiores
De acordo com a rede de pré-vestibulares comunitários Educafro, fundada por Frei David Santos, o Coeficiente de Rendimento Médio entre negros cotistas e alunos não cotistas foi de 6,41 contra 6,37, respectivamente. O levantamento, realizado entre 2003 e 2007, mostrou que quem ingressou pela reserva de vagas conseguiu se equiparar aos outros estudantes durante a faculdade, apesar de tirarem notas 40% menores no vestibular. “O Tribunal de Justiça não avaliou o desempenho dos alunos antes de suspender as cotas. Se os desembargadores quiserem um Brasil mais justo, terão de rever a decisão”, disse Frei David.
Levantamento preliminar do Pro-Informar, programa de apoio aos cotistas da Uerj, mostra que dos, 14.854 não-cotistas, 16,2% tendem a se formar na instituição. Entre os 3.215 cotistas negros, o percentual dos que devem receber o diploma é de 43%.
Fonte: O dia online

Um comentário:

Unknown disse...

Flávio bolsonaro é filho do Jair Bolsonaro, aquele militar deputado federal que sonhava dissolver o congresso.
Um tremendo reacionário e imbecil.
Ele é filho de classe média alta e não sabe o quanto é difícil estudar em escolas públicas do ensino fundamental.